* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

quinta-feira, 24 de março de 2016

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A LEITURA LABIAL

A leitura labial é também chamada de leitura orofacial ou LOF. Já falamos brevemente sobre ela aqui. Se você está se comunicando com um surdo usuário de língua de sinais e você não é fluente nessa língua, a leitura labial será um importante instrumento para que ele compreenda você. Mesmo o surdo implantado ou que tenha um bom ganho funcional com o aparelho, se beneficia da leitura labial para ajudar no entendimento da fala do outro. Aliás, em muitas situações, os ouvintes também usam a leitura labial como suporte à compreensão oral, mesmo que não o percebam. 

Ao longo da vida, a pessoa que ouve, pela associação repetitiva entre os sons e os movimentos dos lábios, vai, naturalmente, adquirindo alguma habilidade em fazer a LOF. Essa habilidade pode ser exacerbada no caso de uma perda progressiva de audição, quando a pessoa vai se apoiando cada vez mais na leitura labial para complementar sua escuta. A pessoa surda pré-lingual, no entanto, precisa de um treino específico e exaustivo para se tornar hábil na leitura labial, já que, nesse caso, a associação se dá diretamente entre os movimentos labiais e o conceito, sem o suporte da imagem acústica da palavra.

Usar a leitura labial como principal elemento de compreensão da linguagem oral exige muita habilidade e prática. Além de ser muito cansativa, pois demanda uma grande concentração, a LOF não garante a compreensão integral das mensagens. A precisão da leitura labial está atrelada a diversos fatores. Trago alguns deles em seguida: 

Fatores ambientais – distância, iluminação, posição e quantidade dos interlocutores, além da presença de obstáculos físicos podem dificultar ou favorecer a LOF.

Grau de familiaridade com o interlocutor – muitos surdos relatam que é mais fácil fazer a leitura dos lábios de uma pessoa com quem estão acostumados. 

Particularidades da articulação de cada um – algumas pessoas articulam os fonemas de forma mais marcada, facilitando a LOF. Outras vezes, elementos como bigode, barba e aparelho ortodôntico podem dificultar a compreensão. 

Dicas contextuais – muitos fonemas não são perceptíveis pela leitura labial, enquanto outros têm uma articulação idêntica. Assim, algumas palavras, tais como COMO e GOMO, PATO e BATO, BOLA e MOLA, não se diferenciam. As dicas contextuais ajudam o surdo a prever melhor as palavras que podem aparecer e a escolher entre duas ou mais possibilidades, quando a LOF dá margem a várias interpretações. Essa escolha também será facilitada por um maior vocabulário e acervo conceitual e por uma maior riqueza de experiências com a língua portuguesa.

Tamanho da palavra – ao contrário do que possa parecer, palavras mais longas são, em geral, mais facilmente compreendidas, já que oferecem mais elementos de identificação e diferenciação. 

Finalmente, vemos que, mesmo com as condições favoráveis, é possível que nem todas as informações sejam captadas pela leitura labial. Nem sempre é possível confiar apenas nela para garantir a compreensão. Sempre que possível, vale agregar outros recursos quando nos comunicamos oralmente com um surdo sinalizador ou mesmo com um surdo oralizado, mas que não tenha uma boa discriminação auditiva, mesmo com implante coclear e próteses. Além disso, não devemos tomar os possíveis mau entendidos como displicência ou má vontade do outro, mas sim reconhecer as dificuldades e o enorme esforço feito pelo surdo para realizar a LOF.   

Imagens de uso livre retiradas da internet


* Este texto foi modificado em 28 de outubro de 2016, a partir de contribuições valiosas de alguns surdos usuários da leitura labial. Agradeço a eles por isso. Para uma visão complementar sobre o assunto sugiro a leitura do texto Deficiência Auditiva, muito além da LIBRAS e do Implante Coclear, de Lak Lobato.