* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

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quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

SÍNDROME DA MESA DE JANTAR

Fonte: http://www.decorandoacasaeavida.com/tag/entrevista/

Você sabe o que é a Síndrome da Mesa de Jantar? Saiba que essa é uma situação experimentada por muitos surdos, sejam eles usuários de língua de sinais, sejam oralizados. Mas calma, não é uma doença. A Síndrome da Mesa de Jantar é o nome dado por alguns pesquisadores para a experiência vivida cotidianamente pelo membro surdo em uma família de ouvintes, que, muitas vezes, fica excluído das conversas corriqueiras.

Esse nome ilustra o quanto os momentos das refeições são exemplos típicos das situações em que os surdos ficam de fora das trocas de informações e compartilhamento entre as pessoas. Mesmo que alguém se ocupe de explicar ou de traduzir para o surdo o que se passa, a sincronicidade fica prejudicada e o fluxo da interação muitas vezes se perde. Além disso, é comum que a explicação ou tradução simplifique o que foi dito, empobrecendo a interação. Já tratamos um pouco sobre isso no texto sobre surdez e cuidados com a saúde (para ler, clique aqui), mas não é apenas nessa área que a aprendizagem fica prejudicada.

A aprendizagem não se restringe ao ambiente escolar e começa bem antes da entrada da criança na escola. A apresentação da criança ao mundo e ao conhecimento compartilhado se inicia no ambiente familiar e nos seus primeiros círculos sociais. Grande parte desta apresentação se dá de modo informal, pela simples vivência e convivência do bebê e da criança com pessoas e atividades cotidianas. No entanto, muito desta aprendizagem, que chamamos incidental, que se dá pela escuta inevitável do que se passa no entorno, fica prejudicada no caso da criança surda.

É importante lembrar que entre 90% e 95% das crianças surdas nascem em famílias de ouvintes, muitas delas com pouco ou nenhum contato prévio com surdos. Estas famílias organizam suas trocas cotidianas essencialmente de modo oral. Normalmente, não nos damos conta da quantidade de informações que são transmitidas na conversas e interações diárias. É muito importante que toda a família e pessoas que convivem com uma pessoa surda fiquem atentas a isso. É preciso se ocupar conscientemente da transmissão de informações, além de garantir que a pessoa surda possa participar das conversas da forma mais plena possível.

Mesmo o surdo implantado ou bem protetizado pode precisar se apoiar na leitura labial para complementar as informações auditivas. Por isso, é importante ter atenção ao posicionamento e, na medida do possível, evitar que várias pessoas falem ao mesmo tempo. Além disso, muitas vezes é preciso repetir o que foi dito. Isso pode ser cansativo ou pouco natural no começo, mas é uma questão de hábito. A pessoa surda precisa sentir esse cuidado por parte da família e amigos, uma vez que é comum que ela se sinta desconfortável em pedir que as pessoas repitam algo ou expliquem alguma coisa que não entenderam bem.

Não há uma receita. Cada família, a partir da sensibilidade às necessidades e características uns dos outros, vai encontrar seu jeito de incluir o surdo nos trocas cotidianas. Afinal, antes de mais nada, estamos falando de um filho, uma mãe, um irmão, uma esposa, uma avó, um amigo. Com paciência, afeto e informação é possível minimizar os efeitos dessa síndrome.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

MARIE HUERTIN E O UNIVERSO DA SURDOCEGUEIRA

No dia 27 de junho é comemorado o Dia Internacional da Pessoa Surdocega. Essa data foi escolhida porque nesse dia, em 1880, nasceu Helen Keller, talvez a surdocega mais conhecida mundialmente. Foi justamente pela história de Helen Keller e de sua educadora Anne Sullivan, retratada no filme O Milagre de Anne Sullivan, dirigido por Arthur Penn e lançado em 1962, que fui apresentada, ainda na infância, ao universo das pessoas surdocegas. De fato, meu contato com essa realidade se restringe, infelizmente, a filmes e documentários. Não posso deixar de notar o paradoxo dessa situação: que muitas pessoas, assim como eu, apenas conheçam a experiência da surdocegueira por meio do cinema, uma linguagem pouco ou nada acessível aos próprios surdocegos.  

Enquanto não tenho a oportunidade de ampliar meu conhecimento sobre o tema por outras vias, faço minha homenagem às pessoas surdocegas falando de um outro filme, mais recente e que fala de uma surdocega bem menos conhecida que Helen Keller, embora sua contemporânea. Trata-se de Marie Heurtin, surdocega de nascença, nascida em 1885, na França. O filme, que no Brasil teve seu título traduzido para A Linguagem do Coração, foi dirigido pelo também francês Jean-Pierre Améris e lançado em 2014. 

Além da grande delicadeza e respeito com que o diretor nos conta essa história, é preciso ressaltar também dois outros méritos do seu trabalho. Por uma exigência sua, todas as cópias do filme são legendadas, facilitando o acesso às pessoas surdas. Cópias com audiodescrição foram disponibilizadas para as salas que contam com o equipamento necessário.  Embora isso pareça uma atitude óbvia, ela não é frequente, mesmo em filmes que tratam do tema da surdez, como é o caso de A Família Bélier. Além disso, todas as personagens surdas são interpretadas por atrizes também surdas. A protagonista é interpretada por Ariana Rivoire, jovem surda que recebeu muitos elogios por essa que foi sua primeira atuação. 

No filme, Marie Heurtin, então adolescente, é levada por seus pais ao Instituto Notre Dame de Larnay, uma escola religiosa de educação de meninas surdas. Sob a alegação de que não tinham preparo para trabalhar com uma surdocega, Marie Heurtin é mandada de volta pra casa. No entanto, a jovem freira Marguerite, interpretada por Isabelle Carré, foi profundamente tocada pelo seu breve encontro com Marie e convence a madre superiora a permitir que ela tente educá-la. O que acontece depois, deixo pra vocês descobrirem assistindo ao filme. 

É interessante notar como as histórias de surdocegos retratadas nos filmes nos falam sempre de um encontro especial entre duas pessoas. Tanto a freira Marguerite como Anne Sullivan não se deixaram intimidar pela atitude “selvagem” de suas alunas. Ambas foram bem sucedidas porque puderam se colocar no lugar da outra, puderam tentar entender como esta percebia o mundo, valorizar suas potencialidades e, principalmente, acreditaram que havia ali uma pessoa pensante e desejante. Ao invés de um “animal arisco”, as duas viram nelas alguém ávido por se comunicar e por dar sentido ao mundo, ainda que com os poucos recursos sensoriais de que dispunham.



quinta-feira, 24 de março de 2016

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE A LEITURA LABIAL

A leitura labial é também chamada de leitura orofacial ou LOF. Já falamos brevemente sobre ela aqui. Se você está se comunicando com um surdo usuário de língua de sinais e você não é fluente nessa língua, a leitura labial será um importante instrumento para que ele compreenda você. Mesmo o surdo implantado ou que tenha um bom ganho funcional com o aparelho, se beneficia da leitura labial para ajudar no entendimento da fala do outro. Aliás, em muitas situações, os ouvintes também usam a leitura labial como suporte à compreensão oral, mesmo que não o percebam. 

Ao longo da vida, a pessoa que ouve, pela associação repetitiva entre os sons e os movimentos dos lábios, vai, naturalmente, adquirindo alguma habilidade em fazer a LOF. Essa habilidade pode ser exacerbada no caso de uma perda progressiva de audição, quando a pessoa vai se apoiando cada vez mais na leitura labial para complementar sua escuta. A pessoa surda pré-lingual, no entanto, precisa de um treino específico e exaustivo para se tornar hábil na leitura labial, já que, nesse caso, a associação se dá diretamente entre os movimentos labiais e o conceito, sem o suporte da imagem acústica da palavra.

Usar a leitura labial como principal elemento de compreensão da linguagem oral exige muita habilidade e prática. Além de ser muito cansativa, pois demanda uma grande concentração, a LOF não garante a compreensão integral das mensagens. A precisão da leitura labial está atrelada a diversos fatores. Trago alguns deles em seguida: 

Fatores ambientais – distância, iluminação, posição e quantidade dos interlocutores, além da presença de obstáculos físicos podem dificultar ou favorecer a LOF.

Grau de familiaridade com o interlocutor – muitos surdos relatam que é mais fácil fazer a leitura dos lábios de uma pessoa com quem estão acostumados. 

Particularidades da articulação de cada um – algumas pessoas articulam os fonemas de forma mais marcada, facilitando a LOF. Outras vezes, elementos como bigode, barba e aparelho ortodôntico podem dificultar a compreensão. 

Dicas contextuais – muitos fonemas não são perceptíveis pela leitura labial, enquanto outros têm uma articulação idêntica. Assim, algumas palavras, tais como COMO e GOMO, PATO e BATO, BOLA e MOLA, não se diferenciam. As dicas contextuais ajudam o surdo a prever melhor as palavras que podem aparecer e a escolher entre duas ou mais possibilidades, quando a LOF dá margem a várias interpretações. Essa escolha também será facilitada por um maior vocabulário e acervo conceitual e por uma maior riqueza de experiências com a língua portuguesa.

Tamanho da palavra – ao contrário do que possa parecer, palavras mais longas são, em geral, mais facilmente compreendidas, já que oferecem mais elementos de identificação e diferenciação. 

Finalmente, vemos que, mesmo com as condições favoráveis, é possível que nem todas as informações sejam captadas pela leitura labial. Nem sempre é possível confiar apenas nela para garantir a compreensão. Sempre que possível, vale agregar outros recursos quando nos comunicamos oralmente com um surdo sinalizador ou mesmo com um surdo oralizado, mas que não tenha uma boa discriminação auditiva, mesmo com implante coclear e próteses. Além disso, não devemos tomar os possíveis mau entendidos como displicência ou má vontade do outro, mas sim reconhecer as dificuldades e o enorme esforço feito pelo surdo para realizar a LOF.   

Imagens de uso livre retiradas da internet


* Este texto foi modificado em 28 de outubro de 2016, a partir de contribuições valiosas de alguns surdos usuários da leitura labial. Agradeço a eles por isso. Para uma visão complementar sobre o assunto sugiro a leitura do texto Deficiência Auditiva, muito além da LIBRAS e do Implante Coclear, de Lak Lobato. 

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

LÍNGUA DE SINAIS KA’APOR BRASILEIRA

O Museu Emílio Goeldi é um pedaço da floresta no centro de Belém. Além de plantas e bichos da Amazônia, alguns correndo soltos pelo mato, o museu conta com um espaço de exposições, o Pavilhão de Exposições Domingos Soares Ferreira Penna, também chamado de A Rocinha. Em visita ao museu pude apreciar a exposição Festa do Cauim, que retrata a cultura e tradições do povo Ka’apor, através dessa festa em que são celebrados diversos rituais de passagem, vividos por todos os membros da tribo. Ka’apor, em tupi, significa Povo da Mata (Ka’a, mata e poro, povo). Esse povo é também chamado de Urubu-Ka’apor. Estão presentes no sul do estado do Maranhão, tendo migrado para essa região, vindos do Pará, no fim do século XIX. Atualmente, sua população soma cerca de 2.300 índios. 

Na exposição, além de conhecer algumas lendas, vestimentas, objetos e detalhes dos rituais que acontecem durante a Festa do Cauim, aprendi que os índios Ka’apor têm uma língua de sinais própria. Como a LIBRAS, essa língua se diferencia de mímicas e gestos, possuindo uma estrutura bem definida e sendo usada para a comunicação entre e com os surdos da aldeia. A proporção de surdos entre os Ka’apor já foi bastante elevada, quando comparada com os dados nacionais, chegando a um surdo para cada 75 ouvintes, no final da década de 1960. Por isso, muitos índios não surdos conhecem e utilizam a língua de sinais ka’apor no seu cotidiano. 

Alguns fatores podem explicar a alta prevalência de surdos em uma população, tais como aspectos genéticos e a prática de endogamia (casamento entre parentes), como é o caso da ilha Marta’s Vineyard, na costa nordeste dos Estados Unidos, onde a incidência de surdez chegava à 25%, em algumas regiões. Neste caso, casamentos consanguíneos, entre os primeiros colonos, ainda no século XVII, potencializaram a transmissão de um gene recessivo transmissor de surdez*. Entre os Ka’apor é possível que a alta ncidência de varíola aviária tenha contribuído para o grande número de surdos, porém, não há uma pesquisa consistente sobre isso.

A Língua de Sinais Ka’apor Brasileira foi registrada pela primeira vez na década de 1950, no entanto, não se sabe desde quando ela é praticada por esse povo. O que se sabe é que, entre os Ka’apor, os surdos são integrados à vida cotidiana da tribo e não sofrem discriminação. Esse exemplo dos Ka’apor nos mostra de forma contundente que quando a surdez não é vista como uma deficiência, mas como uma característica, surdos e ouvintes podem conviver em harmonia.

Arquivo pessoal


* Fonte: Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos, de Oliver Sacks.

Veja um vídeo de uma história contada em Língua de Sinais Ka'apor Brasileira,
gravado pelo pesquisador Gustavo Godoy, a quem agradeço por esclarecimentos prestados.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

SURDO, SIM. MUDO, NÃO!

Há algum tempo que o termo surdo-mudo já não figura mais no vocabulário dos surdos e profissionais que trabalham com a surdez, nos nomes das instituições ou em documentos oficiais. Mesmo assim, ele ainda aparece na linguagem corrente e é empregado por muitas pessoas pra se referir aos surdos. Se você é uma dessas pessoas, veja aqui três razões pelas quais não devemos chamar os surdos de mudos.

A primeira delas se sustenta no aspecto orgânico, ou, anatomo-fisiológico. O surdo, na maioria dos casos, não tem nenhum problema no aparelho fonoarticulatório ou a nível cerebral que o impeça de falar.  O que acontece é que a fala se aprende, salvo por meio de tratamento específico, na medida em que vamos escutando as pessoas falando ao nosso redor. Como, pela falta da escuta, o surdo não aprende a falar de forma espontânea, por muito tempo acreditou-se que eles fossem também mudos, daí a designação surdo-mudo que persiste até hoje em muitos idiomas. Na verdade, mesmo em algumas línguas de sinais, o sinal de surdo ainda remonta a esse antigo termo. É o caso da LIBRAS, por exemplo, em que o sinal de surdo consiste em colocar o dedo indicador na orelha e depois na boca, fazendo referência tanto ao não ouvir quanto ao não falar.

Fonte: arquivo pessoal


A segunda razão se liga à grande variedade de condições que são agrupadas sobre o termo surdo. Muitos surdos perdem a audição após a aquisição da linguagem oral, são os surdos pós-linguais. Para eles, de modo geral, a língua oral continua sendo sua principal forma de expressão. Além disso, muitos surdos, mesmo pré-linguais, aprendem a falar por meio de tratamento fonoaudiológico e com a ajuda de aparelhos auditivos e implantes cocleares. Portanto, os surdos que falam são cada vez mais numerosos.

A última razão que apresento, embora essas três não sejam as únicas, se relaciona ao sentido simbólico da mudez, ou seja, à relação entre a designação mudo e a ideia de não expressão. Também nesse sentido, os surdos não são mudos. Os surdos se expressam e o fazem de várias maneiras, seja por meio da língua sinais, seja falando, seja pela escrita, pela arte, enfim, pelas diversas linguagens das quais dispomos. Há ainda surdos que, mesmo podendo, decidem não falar para manifestar seu desacordo com a oralização, mas mesmo isso não faz deles mudos, já que a própria recusa em falar, nesse caso, é uma expressão em si mesma.

Embora mudar os hábitos de linguagem seja difícil, abandonar essa antiga designação, surdo-mudo, ou ainda termos como mudo ou mudinho, demonstra sensibilidade e respeito às reivindicações dos surdos e atenção às transformações em curso na nossa sociedade.

domingo, 28 de junho de 2015

SINAIS PARA BEBÊS

Eu já tinha visto, há algum tempo, uma reportagem sobre uso de sinais com bebês e crianças e, recentemente, resolvi pesquisar um pouco sobre o assunto. É possível encontrar sites, vídeos e textos tratando desse tema. Os sinais para bebês não são destinados para crianças surdas, mas são apresentados como uma forma de melhorar a comunicação entre os pais e seu bebê ouvinte, até que esse aprenda a falar. O que é dito é que o bebê é capaz de realizar sinais simples antes mesmo de ser capaz de falar as primeiras palavras.

Muitos benefícios são listados na divulgação do uso de sinais com bebês, entre eles, melhora da comunicação, diminuindo os momentos de frustração e desconforto; favorecimento da criação de laços mais estreitos com os pais; aumento da sensação de segurança; melhora da coordenação; melhor rendimento na escola etc. É importante ressaltar, no entanto, que os estudos que encontrei apresentam resultados contraditórios. 

Eu penso que o uso de sinais com bebês e crianças pode trazer benefícios, desde que a família os introduza de forma natural e leve. Se os sinais se tornam uma obrigação e sua aprendizagem um fator gerador de ansiedade, a comunicação pode se tornar artificial. A aprendizagem de uma língua pela criança, qualquer que seja, depende de uma experiência afetiva e significativa com esta. Saliento que essa opinião não se sustenta na observação direta do uso de sinais com bebês, mas na experiência e estudo sobre a aquisição da linguagem, de modo geral. Tampouco se refere ao uso de sinais com bebês surdos.

Duas coisas, no entanto, me chamaram atenção na pesquisa que fiz. Poucos artigos e vídeos que li se referem ao uso da língua de sinais pelos surdos. Para mim, uma vantagem que deveria ser listada em letras maiúsculas seria justamente o fato de familiarizar a criança com as primeiras noções da língua de sinais, favorecendo que ela venha a se desenvolver como bilíngue. É claro que o uso de sinais, nesse caso, não promove fluência na língua, mas apresenta pra criança e pras famílias a existência de uma outra forma de comunicação, a gestual, ou viso-espacial.   

Acho que isso tem como efeito a segunda coisa que gostaria de comentar: os vídeos e textos, mesmo no Brasil, apresentam sinais que não são os sinais da Língua Brasileira de Sinais! Certo que a literatura sobre o tema é essencialmente americana e introduz alguns sinais básicos da rotina de bebê em Língua Americana de Sinais (ASL), mas seria extremamente simples encontrar os sinais correspondentes em LIBRAS. Por que não usar os sinais da nossa língua de sinais?

Foto de Juliana Bebé



sexta-feira, 5 de junho de 2015

LEGENDAS EM PORTUGUÊS EM FILMES BRASILEIROS

A convivência com as diferenças nos faz repensar as coisas mais banais do cotidiano. Aquilo que nos parece óbvio ou simples, pra outra pessoa pode se apresentar como uma dificuldade intransponível. A decisão de nos tornarmos uma sociedade inclusiva passa pela necessidade de nos depararmos com cada uma dessas pequenas coisas e nos empenharmos todos na busca por uma solução.

Bom, aqui vai uma delas. Outro dia um grupo de amigas estava às voltas com a programação de cinema, com dificuldades em encontrar um filme pra assistir, porque o único que as interessava, e que ainda não tinham visto, era um filme brasileiro. E qual o problema? Vocês podem ter se perguntado. A questão é que algumas delas são surdas e os filmes brasileiros não são legendados no cinema. Para assisti-los, elas têm que esperar que os filmes saiam em DVD, que contam, às vezes, com a legenda descritiva, aquela em que, além dos diálogos, são descritos os outros sons do filme. Até então, eu nunca tinha pensado sobre isso.

Uma outra coisa da qual poucas pessoas se dão conta é que é possível tornar o cinema um espaço mais acessível também para cegos. Nesse caso, o recurso é chamado de audiodescrição, na qual um narrador descreve as cenas, ações ou expressões importantes para a compreensão do enredo.

Para que esses recursos sejam viabilizados, duas ações são essenciais. Primeiro, é preciso que os produtores do filme disponibilizem a legenda descritiva, ou legenda oculta, a interpretação em LIBRAS e a audiodescrição. Pois bem, pelo menos para os filmes nacionais financiados com recursos públicos, isso já é lei desde dezembro de 2014, com a publicação, pela ANCINE, da Instrução Normativa nº 116.

A segunda ação é a disponibilização desses recursos pelas salas de cinema. De certa forma, isso também já é garantido pelo texto da lei da acessibilidade (Lei nº 10.098/2000). Porém, sem o conhecimento, a regulamentação e a fiscalização, sua aplicação é bastante ineficaz. Antes, empresários e espectadores se queixavam do possível desconforto que a inserção desses recursos poderia provocar no público em geral. No entanto, os avanços da tecnologia já oferecem soluções bastante interessantes para isso, como óculos especiais e dispositivos portáteis para exibição das legendas de forma individual, por exemplo.

Esse é um momento especial pra pensarmos sobre isso, porque, até o dia 08 de julho, todos podemos contribuir com a consulta pública que está sendo realizada pela ANCINE sobre o tema. Você pode entender melhor consultando aqui a Notícia Regulatória  e a Análise de Impacto. Para opinar na consulta é preciso se cadastrar no Sistema de Consultas Públicas da ANCINE. Penso que essa é uma oportunidade de fazermos parte de um passo importante rumo à inclusão cultural de todos. Eu quero participar disso. E você?

     



quarta-feira, 13 de maio de 2015

MUSEU ADAPTADO

Em muitos museus atualmente é possível fazer uma visita guiada, com auxílio de um equipamento chamado Áudio-Guia. Seu funcionamento é simples e prático. A cada obra ou trecho da exposição é atribuído um número que deve ser selecionado no Áudio-Guia, acionando uma breve explicação que pode ser ouvida aproximando o aparelho do ouvido. Normalmente, os Áudio-Guias estão disponíveis em vários idiomas. Esse sistema enriquece muito a visita, pois acrescenta informações sobre a biografia do autor e sobre as obras, ajudando a compreender o contexto histórico e artístico em que foram produzidas. Ao mesmo tempo, permite que cada visitante aprecie o espaço no seu ritmo.
Em março desse ano visitei o Museu Nacional Marc Chagall, em Nice, no sul da França (http://www.musee-chagall.fr). Foi lá que conheci um dispositivo, parecido com este, mas feito para visitantes surdos. O funcionamento é semelhante, porém, a cada número selecionado, o visitante acessa uma explicação gravada em língua de sinais, mostrada em uma pequena tela. A ideia me pareceu bastante simples e eficaz e talvez esse Vídeo-Guia seja mais comum do que eu pense e eu apenas não os tinha notado antes.
Dois detalhes, porém, chamaram minha atenção. A funcionária do museu foi muito gentil em nos mostrar o equipamento e tirar nossas dúvidas. No entanto, não foi possível ver o Vídeo-Guia em funcionamento porque todos os aparelhos estavam descarregados. A funcionária, meio sem graça, nos explicou que haviam outros carregados em outro lugar, caso alguém precisasse realmente usá-los. De qualquer modo, isso me fez pensar sobre a frequência de uso desses Vídeo-Guias. Será que eles são tão requisitados que as baterias todas se acabaram, ou se descarregaram porque ninguém usa e ficaram esquecidos em alguma gaveta? Será que os surdos sabem da existência desses aparelhos
Além disso, fiquei curiosa em saber se, assim como no caso dos Áudio-Guias, os Vídeo-Guias também estavam disponíveis em línguas de sinais de diferentes países. Isso seria realmente incrível! Ao que a funcionária, agora um pouco espantada com minha pergunta, respondeu que eles estavam em língua de sinais e que a língua de sinais é universal; uma compreensão equivocada, mas que é ainda muito comum. Ela expressa a ideia de que a língua de sinais seria como uma mímica ou um conjunto de gestos e não uma língua viva e mutante, com léxico e semântica ricos, e que se desenvolve, como todas as outras línguas, em cada contexto cultural particular, com seus regionalismos, suas gírias e sujeita à influência de seu tempo.
De qualquer modo, ponto pro Museu Nacional Marc Chagall. Adoraria saber se existem no Brasil museus que oferecem esse ou outros serviços que favorecem a acessibilidade. Alguém aí saberia me dizer? 


Foto de arquivo pessoal