* Pesquisa realizada como aluna do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia, com financiamento da CAPES, pelo Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior, e da Fapesb, pelo Programa de Bolsa de Doutorado.

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quinta-feira, 27 de outubro de 2016

DEFICIÊNCIA: O QUE HÁ DE DIFERENTE EM NÓS



No texto anterior discutimos sobre o quanto os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, nos mostram que é pequena a distância entre pessoas com e sem deficiência. Porém é muito importante também falarmos sobre as diferenças que ainda persistem. Tomando o mesmo censo, de 2010, vejamos apenas um dos aspectos analisados: o acesso à educação. Para fins censitários, o acesso à educação é composto por três parâmetros: a taxa de alfabetização, a taxa de escolarização e o nível de instrução. Para interpretarmos as estatísticas, é importante compreendermos como são medidas cada uma dessas taxas. 

Ainda que analfabetismo seja definido pelo IBGE como incapacidade de ler e escrever um bilhete simples no idioma que conhece, a estatística é obtida pela resposta à pergunta “Sabe ler e escrever?”, sem referência clara ao nível de leitura considerado. Além disso, por limitações metodológicas, as estatísticas tratam analfabetismo e alfabetismo como variáveis discretas e dicotômicas, o que não corresponde à realidade. Isto posto, temos que a taxa de alfabetização da população sem nenhum tipo de deficiência declarada, para pessoas de 05 anos ou mais, é de 92,1%. Porém, para a população dessa mesma faixa etária com pelo menos uma das deficiências investigadas, essa taxa se reduz para 81,7%. A Região Sudeste apresentou a maior taxa de alfabetização das pessoas com pelo menos uma deficiência (88,2%), e a Região Nordeste, a menor (69,7%). 

No que diz respeito à taxa de escolarização, este conceito se baseia na lei 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que estabelece duração de nove anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 anos de idade. Portanto, a taxa de escolarização é obtida a partir do número de pessoas entre 6 a 14 anos que estão matriculadas na escola, no momento da pesquisa. Para a população geral, essa taxa é de 96,9%, enquanto que, para as crianças e jovens com pelo menos uma das deficiências investigadas, cai para 95,1%. Embora a diferença seja relativamente pequena, de 1,8 pontos percentuais, é importante ressaltar que esse dado não nos informa nada sobre a qualidade da educação escolar oferecida. Os relatos de alunos com deficiência que frequentam a escola sem que nenhum tipo de projeto inclusivo seja posto em prática são abundantes. 

Quanto ao nível de instrução, ou seja, a série mais elevada em curso ou já cursada, há diferenças significativas entre as pessoas com pelo menos uma das deficiências investigadas e aquelas sem deficiência alguma. Enquanto 61,1% da população de 15 anos ou mais com deficiência não tem instrução ou possui apenas o fundamental incompleto, para a população sem deficiência, esse percentual é de 38,2%, cravando uma diferença de 22,9 pontos percentuais. Com relação ao ensino médio completo e o superior incompleto, o percentual da população de 15 anos ou mais com deficiência foi de 17,7% contra 29,7% para as pessoas sem deficiência. A menor diferença está no ensino superior completo: 6,7% para a população de 15 anos ou mais com deficiência e 10,4% para a população sem deficiência. No entanto, é fundamental lembrar que uma parte significativa das deficiências é adquirida ao longo da vida, especialmente pelo processo natural de envelhecimento. Portanto, podemos supor que muitas dessas pessoas não tenham sido alunos com deficiência. 

Apesar das ressalvas, essas informações nos mostram o quanto ainda precisa ser feito acerca da inclusão escolar de pessoas deficientes. No entanto, as ações e políticas devem ultrapassar pretensões quantitativas, como as avaliadas pelas estatísticas, buscando uma educação inclusiva que prime pela qualidade. 

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

EDUCAÇÃO BILÍNGUE, UMA BREVÍSSIMA INTRODUÇÃO

Como prometido, encerrando os textos dedicados ao Setembro Azul, falo um pouco sobre a educação bilíngue, importante reivindicação do movimento surdo. Há um número significativo de surdos, de familiares e de profissionais que se dedicam a estudar a surdez que lutam pela garantia de que os surdos recebam sua escolarização em língua de sinais; considerada a língua natural dos surdos, por ser aquela à qual eles podem ter um acesso irrestrito, caso expostos a um ambiente em que é usada de forma significativa. Neste caso, o português, na sua versão oral e/ou escrita, assume o papel de segunda língua e é por isso que falamos em educação bilíngue.

Para explicar a necessidade de que os surdos sejam escolarizados em língua de sinais, muitas vezes, compara-se a experiência do surdo inserido em uma classe regular, sem adaptação, àquela de crianças que são escolarizadas em um idioma diferente do seu. No entanto, eu sempre acho que essa comparação não nos dá a verdadeira medida do que passa uma criança ou adolescente surdos nessa situação. Há pelo menos dois fatores que precisam ser levados em consideração.

Em primeiro lugar, não se trata apenas de outra língua, mas de uma língua à qual o surdo tem um acesso apenas parcial e não espontâneo, ou seja, depende de um trabalho de habilitação auditiva e educação da palavra. Então, imagine que você se comunica oralmente, mas frequenta uma escola onde as pessoas se comunicam telepaticamente. Elas não emitem sons, mas movimentam seus lábios de acordo com o comprimento e intensidade das ondas mentais pelas quais se comunicam. Aos poucos, você até percebe a repetição de certos padrões de movimento e pode decodificar pequenas mensagens, mas, imagine como seria compreender todo o conteúdo de história, matemática, geografia, física... apenas a partir desses sinais precários. Certamente, essa é uma imagem fantasiosa que também tem seus limites, como toda comparação, mas me parece mais precisa.

Em segundo lugar, mesmo quando a criança se comunica de forma oral e via leitura labial, para o surdo, a inserção na língua falada se dá em um ritmo diferente daquele vivido pela criança ouvinte, que tem acesso irrestrito e imediato ao som. Na escola, a criança surda, em processo de oralização, está exposta a uma dupla tarefa: aprender a linguagem e aprender os conteúdos; ou seja, ela não dispõe um referencial conceitual sobre o qual se apoiar para se apropriar dos conteúdos, seu vocabulário se constrói simultaneamente, dificultando enormemente sua compreensão. Isso resulta, muitas vezes, em uma escolarização na qual a forma da comunicação assume um papel mais importante do que o conteúdo escolar e do que a função expressiva da linguagem.

O debate se estende também às diferentes formas possíveis de implementação do bilinguismo na escola. Há quem considere que nenhuma experiência atual corresponde ao que seria uma educação verdadeiramente bilíngue. A discussão não é simples e provoca polêmicas acaloradas. Opiniões contrárias à educação bilíngue são desenvolvidas por profissionais competentes, que apresentam argumentos diversos. No entanto, uma coisa é certa, ainda não encontramos uma proposta satisfatória para a educação dos surdos, que não apenas atenda às suas necessidades, mas que se apoie sobre suas potencialidades.