Trago mais alguns conceitos
relacionados à linguagem e comunicação dos surdos e entre surdos e ouvintes
(veja a parte I aqui). Lembro que são descrições introdutórias e parciais. Caso
alguém queira indicação de material para aprofundamento, posso fornecer com
prazer.
Língua oral (falada) complementada – esse é um método
usado para facilitar a leitura orofacial (LOF) e, portanto, a compreensão da
linguagem oral pelo surdo. De modo simplificado, a leitura orofacial, ou
leitura labial, se baseia na correspondência entre configuração e movimentação
dos lábios e da língua e os fonemas (sons) que compõem as palavras. No entanto,
algumas diferenças são imperceptíveis visualmente, por exemplo, a distinção
entre os sons de “t” e “d” ou de “f” e “v”, dificultando ou impedindo a
compreensão. Na língua oral complementada, sinais específicos para cada fonema
são realizados próximo ao rosto sempre que os sons de difícil distinção são
pronunciados, de modo que essas dicas visuais se somam à leitura labial. Embora
o uso dessa técnica possa trazer benefícios, ela exige uma grande capacidade de
concentração do surdo e uma grande habilidade linguística de quem a realiza.
Português sinalizado – diferente da língua
de sinais, que possui uma estrutura própria, o português sinalizado é a
tradução literal do português oral para sinais, ou seja, mantendo a estrutura
do idioma. O português sinalizado é usado principalmente no contexto educativo,
como uma forma de transmissão de conteúdos, porém, para o surdo que constrói
seu pensamento a partir da língua de sinais, ele pode gerar confusões
importantes.
Datilologia – é a utilização do alfabeto manual para soletrar palavras. Na
datilologia cada sinal corresponde a uma letra do alfabeto utilizado pelo
idioma oral. Ela funciona como uma escrita sinalizada. Algumas pessoas pensam
que a língua de sinais se resume à datilologia, mas não é o caso. Seu uso é
comum quando se quer expressar uma palavra para a qual não existe um sinal na
língua de sinais ou para comunicar um nome próprio. Sua compreensão depende do
grau de domínio da escrita pelo surdo. Consta na literatura que o alfabeto manual
foi criado por monges espanhóis que viviam em voto de silêncio. Com a
datilologia eles podiam se comunicar, sem quebrar seus votos. Posteriormente,
este alfabeto foi integrado à educação de surdos e surdo-cegos.
Escrita de Sinais ou Signwriting – sistema de notação da língua de
sinais. Esse sistema foi criado pela americana Valerie Sutton, na década de
1970, para ser usado para a transcrição de qualquer língua de sinais e, desde
então, vem sendo desenvolvido por diversos pesquisadores. Na escrita de sinais,
um conjunto de símbolos visuais é usado para representar os elementos das
línguas de sinais que são responsáveis por dar sentido ao que está sendo
comunicado: a configuração das mãos, seu posicionamento em relação ao corpo, o movimento
que realizam e a expressão facial. A possibilidade de um registro gráfico das
línguas de sinais é entendida como uma forma de garantir uma memória permanente
do patrimônio cultural da comunidade surda, além de permitir a comunicação à
distância. Atualmente, com a maior facilidade do uso e compartilhamento de
vídeos, essa necessidade foi parcialmente sanada.
Dúvidas? Sugestões? Críticas? Não hesitem em me dizer, elas
ajudam a melhorar o blog.
É sabido que o português é uma língua complexa em termos de vocabulário com aproximadamente 500 mil verbetes contra os mais ou menos de 10 mil palavras da Libras. Os surdos oralizados estão de parabéns pelo esforço em acreditar na capacidade de compreender a língua portuguesa, e depende da qualidade profissional de fonoaudiólogos. O mais importante de tudo é saber interpretar textos e escrever bem, para isso acontecer é necessário aprimorar treinando a escrita. O que eu observo é a baixa auto estima dos surdos, ora que possuem a crença no que seus familiares e ou amigos dizem a respeito da capacidade, habilidade e potencialidades de cada um. Certa vez, fui a uma escola em São Paulo onde oralizam os surdos, a diretora me relatou que os deficientes auditivos estão "migrando" para o aprendizado em libras porque é mais fácil. Então, quer dizer que a era dos botões resolveu atrofiar o cérebro inibindo o raciocínio, a dedução, a imaginação e os pensamentos das pessoas, tudo isso porque dá "trabalho" para raciocinar, deduzir, pensar, imaginar entre outras funções cerebrais? Recordo-me que quando estimulei um surdo a treinar os ouvidos para atender o telefone, ele simplesmente recusou de imediato a minha sugestão. Ou seja, nem ao menos tentar? Não é fácil no inicio, mas aos poucos vai captando e treinando o cérebro as palavras ditas pelos interlocutores, seja por telefone ou televisão. E claro, vai depender da vontade de cada individuo em realizar esforços para garantir sua sobrevivência em um mundo onde a maioria da população tem a comunicação via oral. Não sou contra libras, pelo contrário, é um direito dos surdos em se socializar. Afinal, cada um tem a sua escolha que implicará nas consequências, sejam elas positivas ou negativas, impactando na vida pessoal, social, laboral, espiritual entre outras esferas.
ResponderExcluirObrigada pelo seu comentário. De fato, o vocabulário reduzido da LIBRAS é um problema, mas é também, e sobretudo, uma consequência da ainda fraca presença dos surdos nos espaços intelectuais e culturais brasileiros. Uma língua se desenvolve de acordo com a necessidade de comunicação de seus usuários. A LIBRAS é uma língua viva, por isso, na medida em que os surdos vão se tornando mais presentes nas universidades, nas empresas, nas produções culturais, novos sinais vão sendo inventados para dar conta de suas novas necessidades e desejos. Em português também precisamos inventar ou importar novas palavras com frequência, diante das novas experiências e invenções. Veja que o dicionário de LIBRAS feito pelo Estado de São Paulo, já em 2008, trazia mais de 43.000 verbetes. De qualquer modo, a complexidade de uma língua não é medida apenas pela quantidade de palavras, mas também pela sua capacidade de comunicação e expressão e pelo seu potencial inventivo. Concordo com você sobre a importância de aquisição de leitura e escrita, acho que ela abre muitos caminhos para a comunicação entre surdos e ouvintes, e ajuda o surdo a se apropriar do patrimônio cultural e intelectual, além de ser um instrumento de registro de sua própria produção. No entanto, acho que ainda não encontramos, pelo menos de modo geral, uma forma adequada de ensinar a leitura e escrita para os surdos usuários de língua de sinais. Não concordo, contudo, quando você associa a aquisição da fala e da leitura labial apenas à vontade de cada um. Diversos fatores, de várias ordens, estão envolvidos aí, sejam culturais, históricos, ideológicos, emocionais, econômicos, etiológicos e mesmo genéticos, já que estudos têm mostrado que a habilidade fonológica depende de componentes genéticos, tanto em surdos, quanto em ouvintes. Daí, por exemplo, as diferenças na habilidade de reproduzir bem os sons de diferentes idiomas. Obrigada mais uma vez por topar o convite para o diálogo. Um abraço!
Excluir