Em dezembro de 2014 o filme francês La Famille Bélier foi lançado em meio a uma grande expectativa.
Estrelado por três famosos atores franceses, Karin Viard, como Gigi, François
Damiens, como Rodolphe, e Eric Elmosnino, como Senhor Thomasson, mas protagonizado
pela estreante Louane Emera, como Paula, o filme lotou os cinemas na França nas
primeiras semanas de exibição. Em outros países, seu sucesso de público também
foi expressivo.
O filme, ao mesmo tempo cômico e emocionante, tem um enredo
banal: uma adolescente que descobre um grande talento, mas que não recebe o
apoio imediato de seus pais para perseguir seu novo sonho. Sua particularidade,
o fato dos pais e do irmão mais novo de Paula serem surdos. Ele se propõe,
portanto, a apresentar uma história comum, porém em um contexto pouco
conhecido: a experiência de ser um CODA (Children
of Deaf Adults), o nome que se dá pra filhos de pais surdos, e, nesse caso,
um CODA ouvinte.
Embora seja uma população relativamente pequena em termos absolutos,
os filhos ouvintes de pais surdos representam cerca de 95% dos filhos de
surdos. Curiosamente esse é o mesmo percentual de pais ouvintes de filhos
surdos. Isso significa que, em 95% das famílias em que há um surdo, há uma
grande tendência à que as relações de linguagem se estabeleçam de forma
bilíngue. Ou seja, essa é uma situação de grande importância e que desperta questões
extremamente complexas.
Mesmo reconhecendo sua importância por tratar desse tema, A Família Bélier recebeu muitas críticas.
Começo pela minha própria: na versão original, em francês, apenas as partes em que
os personagens se comunicam em língua francesa de sinais (LSF) foram
legendadas, não demonstrando uma preocupação em tornar o filme acessível para a
comunidade surda francesa, seja legendando todas as falas, seja incluindo a
interpretação em LSF dos diálogos em francês falado, o que seria o ideal.
Outra forte crítica foi o fato de os pais de Paula serem
interpretados por atores ouvintes. Apenas seu irmão, Quentin, foi interpretado
pelo ator surdo Luca Gelberg. Segundo os usuários de LSF, isso resultou em que
muitos erros grosseiros fossem cometidos na utilização dessa língua. Atores
surdos poderiam ter sido convidados para interpretar os papéis, o que, além de
evitar esse problema, seria um reconhecimento de sua competência e
talento.
Uma última crítica se dirige ao fato do talento de Paula ser
justamente cantar. Para muitos, isso reforça o caráter clichê do filme e se
sustenta sobre uma visão ouvintista de que o fato de não poder ouvir música ocasionaria
um grande sofrimento para o surdo. Particularmente, acho que isso faz com que o
filme perca em sutileza, mas, inegavelmente, ganhe em apelo ao público geral.
Acho que é preciso avaliar A Família Bélier pelo que ele é: um filme feito por e para
ouvintes. Ele não acrescenta muito às pessoas que já se interessam e convivem
com os Surdos e seus filhos. Porém, tem os elementos necessários para chamar
atenção para a questão, ainda que de forma superficial, para a maioria da
população, que nunca pensou sobre o assunto. Penso que isso tem um valor em si.
A questão que gostaria de discutir é: isso seria suficiente para compensar as
falhas atribuídas ao filme?
Trailer:
Não vi o filme mas gostei de sua crítica porque explica aspectos geralmente conflitantes entre surdos e ouvintes, e entre surdos oralizados e surdos sinalizados...claro que um filme não é uma tese acadêmica mas pode ser uma maneira interessante de apontar esses sutis conflitos desconhecidos pelo públco que não convive com a surdez.
ResponderExcluirNão vi o filme mas gostei de sua crítica porque explica aspectos geralmente conflitantes entre surdos e ouvintes, e entre surdos oralizados e surdos sinalizados...claro que um filme não é uma tese acadêmica mas pode ser uma maneira interessante de apontar esses sutis conflitos desconhecidos pelo públco que não convive com a surdez.
ResponderExcluirSoramires, obrigada por seu comentário. Você tem razão, podemos nos relacionar com um filme como uma produção artística, pelas emoções e reflexões que ele provoca, mas sem a cobrança por uma precisão conceitual. As críticas nos ajudam a fazer reverberar e ampliar seus efeitos, aprofundando a discussão.
ExcluirUm abraço!
Ainda não assiti, mas pretendo. Agora assistirei atenta ao pontos que vc levantou. Vi uma peça recentemente sobre um garoto surdo em uma família de ouvintes, que opta por usar só libras ao conhecer e namorar com uma garota CODA ouvinte que está perdendo a audição. O bacana da peça é que, além de ser traduzida em libras, ao final, eles promovem uma discussão com a platéia sobre o tema.
ResponderExcluirJuliana, convido você a voltar aqui depois de ter assistido pra compartlhar conosco suas impressões. Infelizmente, não pude assistir a essa peça, mas as críticas que vi foram bastante positivas. Fico contente que esse tema esteja sendo tratado de forma a interessar a todos.
ExcluirUm abraço